segunda-feira, 4 de julho de 2011

ESPELHO NOSSO


Rosely Sayão
Rosely Sayão*
Faz um tempo que observo a movimentação nos horários de entrada e saída das esco­las. Fora os carros, que atra­palham o trânsito em todo o entorno, há crianças e adoles­centes que saem e entram, so­zinhos ou com seus pais.

É uma confusão geral: cor­reria, gritaria, malas enormes que são arrastadas sem o me­nor cuidado e que produzem muito barulho, buzinas estri­dentes etc. Sempre fico impres­sionada com a indiferença das pessoas envolvidas nessas si­tuações frente a esse caos que vivenciam.

Não é muito diferente o ce­nário que se observa durante o período do recreio, na maioria das escolas.

As crianças parecem ficar desnorteadas com tanta liber­dade: correm e gritam sem di­reção e, invariavelmente, tam­bém sem contexto.

O corre-corre e os gritos não fazem parte de alguma brincadeira que exige tais manifestações.

Um dia desses, vi um garo­to de uns dez anos, mais ou menos, correndo em direção a alguém quando saía da es­cola. Talvez o pai ou um cole­ga, não pude identificar. Acontece que, em seu trajeto, ele esbarrou com força em ou­tro menino um pouco menor que ele que, pela força do em­purrão, foi ao chão.

Você imagina o que aconte­ceu logo em seguida, não ê, lei­tor? Uma briga entre os dois meninos que, para ser aparta­da, precisou de dois adultos.

O garoto que corria não via mais nada além da meta que ele queria alcançar. Tudo o que estava em seu caminho, ele ig­norou: chegou até mesmo a pisar em uma mala estaciona­da que provocou um certo desequilíbrio em sua jornada. Ele conseguiu contornar esse obstáculo, mas ficou no próxi­mo, que era o outro aluno.

Dias depois, ao ler o jornal, vi uma notícia que me fez lem­brar desse caso.

O serviço telefônico da Po­lícia Militar de São Paulo re­gistra, em média, 70 ligações por dia para comunicar de­sentendimentos ocorridos no trânsito.

Pelo menos 20 desses con­flitos acabam com violência fí­sica entre os motoristas todo santo dia.

A relação entre os casos ê inevitável. Nesse mundo em que a vida é vivida com veloci­dade máxima e em que o ou­tro quase sempre é um estorvo ou uma ameaça, os adultos es­tão dispostos a brigar por qual­quer coisa a todo o momento.

O trânsito é uma oportuni­dade excelente para isso, já que é caótico e que consome um tempo precioso da vida das pessoas.

Por que as crianças agiriam de modo diferente, se obser­vam atentamente tudo o que acontece no mundo adulto? A criança, de uma maneira ge­ral, só aceita que outra seja seu par se essa estiver a serviço de seus interesses: a brincadeira que quer brincar, o passeio que quer dar, a lição que precisa fazer etc. Fora dessas situações, outra criança a atrapalha, a ameaça.

Ter de compartilhar brin­quedos, conviver com a dife­rença e tolerar defeitos não são atos comuns entre as crianças. Poucas delas aprendem essas lições, seja na escola que fre­qüentam, seja em casa, com pais e parentes.

O curioso é que, ao obser­varmos ávida dos mais novos, logo percebemos que: eles brigam em demasia; exageram nas reações quando se defron­tam com situações que lhes tra­zem dificuldades, decepções ou frustrações; não sabem ad­ministrar, tampouco resolver os conflitos que a convivência provoca.

Entretanto, não temos a mesma facilidade para cons­tatar que estamos fazendo o mesmo em nossas vidas e que, portanto, os mais novos têm aprendido conosco a agir co­mo agem.

Se conseguirmos retirar a venda de nossos olhos e enxer­gar tudo o que temos ensina­do a eles, talvez fique menos árdua a tarefa educativa, em família ou na escola.

Só assim teremos mais com­paixão e tolerância frente aos erros que eles cometem, já que, afinal, são provocados por nós mesmos.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
Transcrito do Caderno Equilíbrio da Folha de São Paulo