Rosely Sayão |
Rosely Sayão*
Faz um tempo que observo a movimentação nos horários de entrada e saída das escolas. Fora os carros, que atrapalham o trânsito em todo o entorno, há crianças e adolescentes que saem e entram, sozinhos ou com seus pais.
É uma confusão geral: correria, gritaria, malas enormes que são arrastadas sem o menor cuidado e que produzem muito barulho, buzinas estridentes etc. Sempre fico impressionada com a indiferença das
pessoas envolvidas nessas situações frente a esse caos que vivenciam.
Não é muito diferente o cenário que se observa durante o período do recreio, na maioria
das
escolas.
As crianças parecem ficar desnorteadas com tanta liberdade: correm e gritam sem direção
e, invariavelmente, também sem contexto.
O
corre-corre e os gritos não fazem parte de
alguma brincadeira que exige tais manifestações.
Um dia desses, vi um garoto de uns dez anos, mais ou menos, correndo em direção a alguém quando saía da escola. Talvez o pai ou um colega, não pude identificar. Acontece que, em seu trajeto,
ele esbarrou com força em outro menino um pouco menor que ele que, pela força do empurrão, foi ao chão.
Você imagina o que aconteceu logo em seguida, não ê, leitor? Uma briga entre os dois meninos que, para ser apartada, precisou de dois adultos.
O garoto que corria não via mais nada além da meta que ele queria alcançar. Tudo o
que estava em seu caminho, ele ignorou: chegou até
mesmo a pisar
em uma mala estacionada que provocou um
certo desequilíbrio em sua jornada. Ele conseguiu contornar esse obstáculo, mas ficou no próximo, que era o outro aluno.
Dias depois, ao ler o jornal, vi uma notícia que me
fez lembrar desse caso.
O serviço telefônico da Polícia Militar de São Paulo registra, em média, 70 ligações
por dia para comunicar desentendimentos ocorridos no trânsito.
Pelo menos 20 desses conflitos acabam com violência física entre os motoristas todo
santo dia.
A
relação entre os casos ê inevitável. Nesse
mundo em que a vida é vivida com
velocidade máxima e em que o outro quase sempre é um estorvo ou uma ameaça, os adultos estão dispostos a brigar por qualquer coisa a todo o momento.
O trânsito é uma oportunidade excelente para isso, já que é caótico e que consome um tempo precioso da vida das pessoas.
Por que as crianças agiriam de modo
diferente, se observam atentamente tudo o
que acontece no mundo adulto? A criança, de uma maneira geral, só aceita que outra seja seu par se essa estiver a serviço de seus interesses: a brincadeira que quer brincar, o passeio que quer dar, a lição que precisa fazer etc. Fora dessas situações, outra criança a atrapalha, a ameaça.
Ter
de compartilhar brinquedos, conviver com a
diferença e tolerar defeitos não são
atos comuns entre as crianças. Poucas delas aprendem essas lições, seja na escola
que freqüentam, seja em casa, com pais e parentes.
O curioso é que, ao observarmos ávida dos mais novos, logo percebemos que: eles brigam em demasia; exageram nas reações quando se defrontam com situações que lhes trazem
dificuldades, decepções ou frustrações; não
sabem administrar, tampouco
resolver os conflitos que a
convivência provoca.
Entretanto,
não temos a mesma
facilidade para constatar
que estamos fazendo o mesmo
em nossas vidas e que, portanto,
os mais novos têm aprendido
conosco a agir como agem.
Se
conseguirmos retirar a venda de
nossos olhos e enxergar tudo
o que temos ensinado a
eles, talvez fique menos árdua a
tarefa educativa, em família
ou na escola.
Só assim
teremos mais compaixão e
tolerância frente aos erros
que eles cometem, já que, afinal, são provocados por nós mesmos.
ROSELY SAYÃO é
psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?"
(Publifolha)
Transcrito do Caderno
Equilíbrio da Folha de São Paulo