A cidade de Porto Alegre tem, como data oficial de sua
fundação, a da criação da Freguesia de São Francisco do Porto dos Casais, em 26
de março de 1772.
Mas
o povoamento de Porto Alegre é anterior a essa data. A área foi ocupada por
casais açorianos, trazidos para se instalarem na região das Missões, que estava
sendo entregue ao governo português em troca da Colônia de Sacramento, nas
margens do Rio da Prata. A troca havia sido acordada através do Tratado de
Madri, de 1750.
A
demarcação do território das Missões, entretanto, demorou a acontecer. Em 1752
o rei português mandou que Cristóvão Pereira de Abreu, com 200 homens,
iniciasse a demarcação. Quando chegaram em Rio Grande — que então
era a sede da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul — foi determinado que
oitenta deles ficassem nas proximidades de Viamão, construindo canoas que
permitissem o transporte até as Missões, e que os demais explorassem a subida
do rio. Os casais açorianos se fixaram, aos poucos, nesse local, que passou a
ser chamado de Porto de Viamão — primeira denominação de Porto Alegre. Durante
vinte anos ficaram na área, sem receber as terras prometidas e vivendo de uma
agricultura de subsistência. Levantaram casas de barro e aos poucos se
estabeleceram em terras que pertenciam ao sesmeiro Jerônimo de Ornelas.
Em
1772, a
povoação foi finalmente desligada da jurisdição eclesiástica de Viamão, por uma
pastoral do bispo do Rio de Janeiro, oficializando-se, assim, a Freguesia de
São Francisco do Porto dos Casais. Essa denominação seria mudada em janeiro do
ano seguinte, para Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre. Assim, a
cidade nasceu antes do que se considera oficialmente, e resultou do fracasso da
ocupação da região das Missões.
Ainda
em julho de 1772, foram desapropriadas as terras em que a vila estava situada e
se começou a marcação das primeiras ruas. Deu-se início à construção da igreja
no Alto da Praia, atual praça Marechal Deodoro. Aos poucos, o lugarejo tomava
feições de cidade. E, em 24 de julho de 1773, Porto Alegre passou a ser a
capital da capitania, com a instalação oficial do governo de José Marcelino de
Figueiredo. A cidade iria evoluir rapidamente, sempre a partir de um pequeno
núcleo que hoje constituí o seu centro. Em certos momentos, viveu episódios de
tensão. Afinal, era a capital da capitania (depois província) mais meridional
do Brasil, e que fazia fronteira com países com os quais houve diversos
conflitos.Mas o período mais prolongado de dificuldades da capital não foi
devido a nenhum conflito externo, como a Guerra do Paraguai. Foi causado pela
Revolução Farroupilha, que se iniciou com um enfrentamento realizado no dia 20
de setembro de 1835 na própria capital, nas proximidades da ponte da Azenha.
Com exceção dos primeiros dias, a capital gaúcha se manteria, durante os dez
anos da revolução, nas mãos das tropas governistas.
Mas
era constantemente sitiada e os farrapos procuraram isolá-la ao máximo. A
resistência a um dos vários cercos que sofreu nesse período é que lhe valeu o
título, dado pelo Imperador, de "mui leal e valorosa". Depois da
Guerra dos Farrapos, a cidade retomou seu ritmo normal de desenvolvimento,
permanecendo sempre no centro dos acontecimentos políticos e sociais do Estado
e do país. Exemplos disto foram a ascensão de Getúlio Vargas, político gaúcho
que se tornou um marco da história nacional, e o movimento da Legalidade,
mantido pelo governo Brizola no início dos acontecimentos que conduziram ao
Golpe de 1964
XARQUEADA
O começo da história
No
século 18, enquanto ocorria o ciclo econômico da mineração no Brasil envolvendo
os estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, havia uma crescente
valorização do rebanho de gado existente no Rio Grande do Sul, introduzido
pelos jesuítas no século 17. Os bois serviam para a alimentação e as mulas para
o transporte dos mineradores. Para que fosse possível manter a carne em estado
propício para ser consumida foi dado o início da conservação deste produto,
primeiro através da sua secagem ao sol, na região do Ceará, sob a forma de
carne de sol ou carne do sertão. Entretanto, uma grande seca no Ceará em 1777
aniquila os rebanhos. Para sorte dos gaúchos, no mesmo período é assinado o
Tratado de Santo Ildefonso, que permitia uma trégua na luta entre espanhóis e
portugueses, possibilitando investimentos econômicos na região, até então
exclusivamente criadora de gado, através da estância.
Em
1779 é registrada a chegada do retirante da seca, o português José Pinto
Martins, que transfere-se do Ceará para o RS, estabelecendo a primeira
charqueada industrial dentro dos limites da Vila do Rio Grande, fundada em
1737. Esta primeira charqueada, localizada num dos distritos do futuro
município, às margens do arroio Pelotas, protegeria a propriedade do vento e
das areias do litoral, que arruinariam a produção. Outro ponto favorecedor era
a fácil comunicação com o porto do Rio Grande através de iates.
A consolidação das fazendas
A
consolidação das charqueadas, grandes propriedades rurais de caráter
industrial, só se dá no século 19, às margens dos arroios Pelotas, Santa
Bárbara, Moreira e canal São Gonçalo. O gado, matéria-prima, era proveniente de
toda a campanha rio-grandense, introduzido em Pelotas através do Passo do
Fragata e vendido na Tablada, grande local dos remates na região das Três
Vendas.
Ao
contrário do que possa parecer, nas charqueadas não se criavam bois. Haviam
raras exceções, como a Charqueada da Graça, mas essa criação não dava conta da
produção total do charque. Na chamada boca do arroio, entre o São Gonçalo e o
arroio Pelotas, as terras foram rapidamente sendo tomadas por escravos. Só
então a área adquire o nome de Passo dos Negros. Com o progresso advindo da
venda do charque, em 1812 acontece a criação da Freguesia e em 1832 a instalação da vila,
oficialmente criada em 1830. Somente em 1835 a vila é elevada à condição de cidade.
Charqueadores transferiram-se do Rio Grande e se fixaram em Pelotas,
construindo palacetes, principalmente depois da criação da Vila.
O
charque era utilizado também para alimento dos escravos (outro era o bacalhau)
em todo o Brasil e nos países que adotavam o sistema escravista, sobretudo o
Caribe (Cuba, principalmente). Do gado, se aproveitava tudo: o couro, o pó dos
ossos para fertilizante, o sangue para gelatina, a língua defumada, os chifres
para várias utilidades. Esses produtos eram exportados para toda a Europa e os
Estados Unidos.
O
charque era quase exclusivamente produzido pelo Brasil. De concorrentes, apenas
Uruguai e a Argentina. "Quando esses países estavam em crise, o que era
comum em virtude das guerras civis, a produção pelotense atingia maior
rentabilidade", enfatiza o historiador Magalhães. A safra era sazonal e
durava de novembro a abril. As charqueadas tinham em média 80 escravos,
ocupados nos intervalos da safra em olarias nas próprias charqueadas,
derrubadas de mato e plantações de milho, feijão e abóbora nas pequenas chácaras
que cada charqueador possuía na Serra dos Tapes, onde ficam hoje a Cascata e as
colônias de Pelotas. Magalhães conta que os navios que levavam o charque não
voltavam vazios. Traziam mantimentos, livros, revistas de moda, móveis, louças
da Europa - e açúcar do Nordeste, consolidando a tradição do doce em Pelotas.
"Embora aqui não se plantasse cana-de-açúcar, os doces de Pelotas chegaram
a ser rivais dos do Nordeste, região açucareira por excelência."
Em
1820, eram 22 charqueadas (depoimento de Saint-Hilaire) e, em 1873, 38.
"Número máximo que encontrei, num relatório da Presidência da
Província", complementa.
Outro
dado espantoso é o número de abates, num total de 400 mil cabeças de gado por
ano. De acordo com as pesquisas de Magalhães, Simões Lopes Neto, na Revista do
Primeiro Centenário de Pelotas, editada em 1911, comenta que até aquela data
foram abatidas 45 milhões de reses e umas 200 firmas se sucederam.
O fim do ciclo do charque
As
causas do encerramento do ciclo do charque em Pelotas foram várias. Uma das
principais, a abolição dos escravos, quando deixa de existir o verdadeiro
consumidor do produto. Magalhães explica que a concorrência de regiões gaúchas
que antes apenas produziam a matéria-prima também foi outro golpe contra os
charqueadores locais. "Depois de 1884, fundaram-se charqueadas em algumas
cidades da fronteira, porque nesse ano estabeleceu-se a linha férrea, que
permitia o escoamento do produto até o porto de Rio Grande." O advento dos
frigoríficos, na década de 1910, foi outra. Em 1918, restaram apenas cinco
charqueadas em Pelotas. "O coronel Pedro Osório, que começou como
charqueador, passou a plantar arroz em 1905, transformando-se no maior
industrial do setor no mundo e conhecido como Rei do Arroz".
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