Carlos Madeiro
Do UOL, em Maceió
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os
últimos cinco anos, um município brasileiro decretou situação de emergência ou
estado de calamidade pública a cada cinco horas. É o que aponta levantamento
feito pelo UOL, com base nos dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil
(Sedec) entre 2007 e 2011. Ao todo foram 8.442 portarias publicadas no “Diário
Oficial da União” nesses cinco anos. Somadas aos 729 decretos já publicados
este ano, o número supera a marca das 9.000 portarias, com a média de 4,8
decretos por dia.
O
processo de reconhecimento de decreto de emergência ou calamidade dos
municípios passa por três etapas. Na primeira, os prefeitos decretam a situação
de emergência --caso precisem de ajuda-- ou estado de calamidade pública
--quando afirmam não ter condições de reverter a situação sozinhos.
Os
decretos valem por 90 dias, podendo ser renovados por igual período -180 dias é
o período máximo. Após isso, caso seja necessário, é preciso apresentar toda
uma nova argumentação.
Em
seguida, cabe aos governos estaduais, por meio das defesas civis, homologarem o
decreto e enviarem ao governo federal. Por fim, cabe à Defesa Civil reconhecer
o decreto com a publicação no “Diário Oficial da União”. A oficialização é um
passaporte para que os gestores possam contratar serviços ou realizar compras
sem a necessidade de licitação.
Para
conseguir ter uma situação excepcional reconhecida, o município precisa enviar
um relatório de avaliação de danos, o avadan, com dados, números de atingidos e
imagens da destruição. Segundo a Sedec, todos os relatórios passam por
avaliação até a publicação no “Diário Oficial da União”.
Desde
fevereiro de 2010, a Sedec autorizou o envio emergencial de R$ 2,7 bilhões aos
Estados ou municípios afetados por catástrofes. Pelo menos 90% do dinheiro já
foi liberado e serviu, em sua maioria absoluta, para restabelecimento da
normalidade, socorro às vítimas e obras de reconstrução.
Com
mais de 30 anos de atuação na área, o coordenador da Defesa Civil de Maceió,
Antônio Campos de Almeida, disse que o número de decretos publicados no Brasil
chama a atenção para a falta de capacidade técnica dos municípios, que levam o
governo federal a não ter condições técnicas de analisar um pedido. Em muitos
casos, é o Estado que envia técnicos e decreta diretamente a situação, o que
teoricamente não é permitido por lei.
“Falta
aos municípios defesas civis com orientação técnica, conhecimento
especializado. A verdade é que governo federal tem sido muito generoso. Apesar
da falta de critério dos decretos, pensa na população. Se for adotar todos os
critérios, vai morrer gente, e o principal dever da defesa civil é a proteção à
vida. Existem os critérios legais, mas se o município não tem especialista, o
governo federal acaba fechando os olhos. A rapidez da necessidade em enviar
ajuda também ajuda nesse processo de reconhecimento”, disse.
O
especialista afirmou que os números comprovam que a maioria dos municípios
ignora as leis de prevenção, o que gera uma repetição de decretos ao longo dos
anos. “Por exemplo: é obrigatório todos os municípios terem mapeamento de
risco. E o percentual nacional, até novembro, era que apenas 1,0002% deles
tinha. Ou seja, não chega sequer a 100 cidades. Por isso temos cidades que
vivem numa quase eterna emergência”, disse Almeida, que já atuou como consultor
em defesa civil para municípios alagoanos.
ESTIAGENS DOMINAM
Apesar
das mortes causadas pelas chuvas nos últimos anos, enchentes, enxurradas,
alagamentos e deslizamentos não são os principais motivos dos decretos
reconhecidos no país. Segundo levantamento do UOL, as estiagens se configuram a
maior causa dos decretos, com 3.526 portarias reconhecidas nos últimos cinco
anos. As enxurradas vêm em seguida, com 2.335 decretos. Enchentes (1.199),
vendavais (405) e seca (383) completam a lista dos principais problemas. O
recorde de decretos ocorreu em 2010, quando 2.765 portarias foram reconhecidas
pelo governo federal.
São
os Estados da região Sul que dominam a lista dos municípios que decretaram
emergência ou calamidade pública. No Rio Grande do Sul, por exemplo, foram
1.300 decretos entre 2007 e 2011. Já em Santa Catarina foram 1.232. Somente
este ano, foram mais 341 municípios em emergência no Rio Grande Sul, todos pela
estiagem. No Sul há a peculiaridade climática, já que as situações excepcionais
variam entre enchentes, estiagens, vendavais e até geadas.
Segundo
o doutor em meteorologia e integrante do grupo gestor da prevenção e mitigação
de desastres da OMM (Organização Mundial de Meteorologia), Luís Carlos Molion,
existe uma mudança climática recente que explica o aumento no número de eventos
extremos no país nos últimos anos, especialmente no Sul.
“Houve
uma mudança climática a partir de 1999 e 2000. A partir dali, o Oceano Pacífico
voltou a ficar mais frio que o normal. Isso já tinha acontecido entre 1946 e
1976. Nessa época, no período chuvoso, o Rio Grande do Sul sofreu com
frequência maior de estiagem, e o Nordeste teve secas menos intensas. Ao mesmo
tempo, o Sul sofreu, no inverno, com uma frequência maior de geadas severas e
tardias. Tivemos chuvas fortes e inundações nas cidades do Rio e São Paulo. O
problema é que estamos vivenciando algo similar agora, o que leva os municípios
a decretarem emergência”, disse.
Apesar
de considerar justificável o aumento no número de decretos de emergência e
calamidade pública, Molion afirma que a maior incidência de eventos extremos
era previsível, e as autoridades tinham conhecimento dos riscos, mas não
tomaram as medidas necessárias.
“Isso
não é nada novo. Se sabemos que existe grande probabilidade de termos chuvas
intensas, como tivemos no passado, os municípios teriam que reestudar a
ocupação do espaço geográfico. Tem que haver um plano diretor, do uso do solo,
para evitar que mais vidas sejam ceifadas. Se não levar em conta esses
aspectos, eventualmente vamos ter sempre os municípios decretando calamidade.
Tem que ser trabalhado prevenção e reordenação da ocupação do solo urbano”,
disse.
CASOS INCOMUNS
Apesar
dos motivos já conhecidos, muitos municípios decretam emergência por situações
pouco comuns. Em março de 2010, o município de Montividiu do Sul, no norte de
Goiás, por exemplo, decretou emergência por conta de “migrações intensas e
descontroladas.” À época, o motivo alegado foi a situação precária em que
viviam famílias nos 11 assentamentos do município.
Dois
anos antes, o município de Itacarambi, no norte de Minas Gerais, declarou
emergência, em 2007, após o distrito de Caraíbas ser sacudido por um tremor de
terra que matou uma criança, deixou seis feridos e cerca de 300 pessoas
desabrigadas.
Os
decretos não precisam abranger toda uma cidade e podem ser relativos a setores
específicos. Em setembro de 2009, Belo Horizonte decretou estado de calamidade
pública no anel rodoviário. A medida foi tomada por conta da grande quantidade
de acidentes no trecho de 26 km e por onde passam 100 mil veículos por dia. A
prefeitura informou que, em três anos, foram quase 7.000 acidentes, com 3.010
pessoas feridas e 91 mortes neste período.
Este
ano, São Luís também decretou situação de emergência por conta de exaurimento
de recursos hídricos. O problema foi causado pelo encanamento antiga, que
apresentou problemas e deixou vários bairros sem abastecimento.
RESPOSTA
Em
uma resposta curta ao UOL, o Ministério da Integração Nacional –responsável
pela Sedec --, informou apenas que “o reconhecimento [das situações] se dá após
análise de relatórios enviados pelo ente (município/estado).”
O
órgão disse ainda os decretos de emergência se configuram uma prerrogativa dos
próprios municípios, cabendo apenas ao “Ministério da Integração Nacional, por
meio da Secretaria Nacional de Defesa Civil, fazer o reconhecimento da situação
de emergência ou calamidade.”
Apesar
de solicitado, o Ministério não explicou como é feita a fiscalização dos
recursos enviados emergencialmente aos municípios.
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