*Padre Francisco Faus
V
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árias
vezes, Jesus nos lembrou que o primeiro mandamento é amar a Deus sobre todas as
coisas e o próximo como a si mesmo (cf. Lc 10,26-27). Vamos nos deter na
segunda parte desse preceito.
"Amar
o próximo como a si mesmo", como todos sabemos por experiência, não é
fácil. Exige graça de Deus, esforço e uma série de condições. Creio que a
primeira delas - pressuposto de todas as outras - é ter consideração para com o
próximo. É impossível amar sem ter consideração ou levar em consideração os
outros. Quando uma pessoa perde a autoestima, o respeito por si mesma, desliza
fatalmente para o desmazelo material e a deterioração moral: larga-se,
abandona-se, às vezes, de modo lastimável. Da mesma forma, sem consideração
pelos outros, não pode haver nem “atenção” nem “atenções”; só haverá descuidos
e desrespeitos.
Respeitar
- comenta um conhecido autor espiritual - é olhar para os outros descobrindo o
que valem. A palavra vem do latim respectus, que significa olhar com
consideração. Saber conviver exige respeito às pessoas, como, aliás, às coisas,
que são bens de Deus e estão a serviço dos homens. Já se disse, com verdade,
que as coisas só mostram o seu segredo aos que as respeitam e amam [...]. “O
respeito é condição que permite contribuir para a melhoria dos outros”.
Pode
nos ajudar uma recordação rápida da parábola do bom samaritano:
Um
judeu, descendo de Jerusalém a Jericó, é assaltado, ferido e deixado meio morto
no caminho. Passa por lá um samaritano e vê a vítima; ainda que os judeus e os
samaritanos nem se falem (cf. Jo 4,9), ele para, cheio de compaixão, venda as
feridas - usando como curativo azeite e vinho -, carrega a seguir o ferido na
sua montaria, leva-o a uma estalagem e paga para que cuidem dele em tudo (Lc
10,30-35).
Reparemos
que a primeira coisa que faz o bom samaritano não é apenas “ver” e lamentar,
mas ter consideração, ou seja, respeitar o valor, a importância, a dignidade do
ferido. Pelo contrário, um sacerdote e um levita que passaram pelo mesmo lugar,
um pouco antes, viram, diz o Evangelho, mas seguiram adiante sem fazer nada,
sem ter “consideração” por aquele seu patrício necessitado, o qual, naquele
momento, atrapalhava a viagem.
O
que o samaritano “viu” não foi um aborrecimento, um problema inesperado que o
atrasava e lhe dava trabalho, mas apenas um pobre homem necessitado, um ferido
que provocava compaixão. Em nenhum momento culpou o moribundo pelo tempo que
lhe fazia perder e pelo trabalho que lhe dava.
Nós,
pelo contrário, muitas vezes, achamos que o “ferido” (não fisicamente, mas
moralmente) é o culpado! Por quê?
Se
tivéssemos o olhar de Cristo nas limitações, nos erros e nas indelicadezas dos
outros, veríamos o que realmente são: “ferimentos” da alma, males morais, com
frequência piores que os males físicos. Se tivéssemos a compaixão de Jesus, não
nos deixaríamos levar por sentimentos de raiva, de amor-próprio ofendido nem de
despeito por causa desses defeitos, como costumamos fazer; mas
experimentaríamos a compaixão do bom samaritano. Então, a exemplo de Cristo,
que, debruçado sobre os nossos males, cuidou de nós em tudo (cf. Lc 10, 34),
haveríamos de nos perguntar: que posso fazer para tratar essas feridas em vez
de me irritar com elas? Que azeite suave e que vinho curativo posso passar
nelas?
Bastaria,
em muitas ocasiões, começar a nos fazermos tais perguntas para que, logo,
desaparecesse o mau humor e arrefecesse a ira. Já não “desconsideraríamos” os
outros; antes, nos sentiríamos movidos de compaixão e começaríamos a viver a
aventura - inédita para os egoístas - de “amar o próximo como a nós mesmos”.
Deste
modo, pelo caminho que Cristo trilhou, iríamos, pouco a pouco, descobrindo as
reservas de “azeite” e “vinho” que o amor é capaz de extrair do nosso coração e
derramaríamos esses “cuidados de amor” - de desculpa, silêncio, paciência e
ajuda - sobre os que nos cercam com espírito de autêntica “compaixão”.
*Pe. Francisco
Faus, nascido em Barcelona em 1931, é sacerdote da prelazia do Opus Dei. É
licenciado em Direito pela Universidade de Barcelona e Doutor em Direito
Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote
em 1955, reside, desde 1961, em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de
formação cristã e atenção espiritual entre estudantes universitários e
profissionais. Também se dedica ao atendimento espiritual de sacerdotes e
seminaristas.
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